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terça-feira, 1 de setembro de 2015

Beber oito copos de água por dia não teria indicação científica

Médico americano contesta reportagens que alertam sobre desidratação
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Se há um mito sobre saúde que não morre, é este: você deve beber oito copos de água por dia.

Não é verdade. Não há nenhuma ciência por trás disso.

E, apesar disso, em todo verão americano (ou de qualquer país) somos inundados por reportagens alertando que a desidratação é perigosa e onipresente.

Essas reportagens fomentam um medo de que adultos e crianças, sadios sob qualquer outro ângulo, andam desidratados, ou, até mesmo, que a desidratação chegou a proporções epidêmicas.

Vamos escrutinizar essas alegações.

Eu fui coautor de um artigo em 2007 no British Medical Journal (BMJ) sobre mitos da medicina. O primeiro era o de que as pessoas deveriam beber pelo menos oito copos d'água de 200ml por dia. Esse artigo ganhou mais atenção midiática (até mesmo no New York Times) do que praticamente quaisquer outras pesquisas minhas.

Não fez diferença. Quando, dois anos depois, publicamos um livro sobre mitos da medicina que, mais uma vez, refutou a ideia de que precisamos de oito copos d'água por dia, eu achava que isso iria persuadir o público a não se preocupar. Eu estava novamente enganado.

Muitos creem que a fonte desse mito foi uma recomendação do Food and Nutrition Board (Conselho de Alimentos e Nutrição) de 1945, que dizia que era preciso ingerir 2,5 litros de água por dia. Porém, ignorou-se a continuação, que dizia: "a maioria desta quantidade encontra-se em comidas preparadas".

A água está presente em frutas e vegetais. Está no suco; está na cerveja; está inclusive no chá e no café. Antes que alguém me escreva dizendo que café desidrata, pesquisas mostram que isso também não é verdade.

Embora eu recomende água como a melhor bebida para consumo, não é, certamente, a única fonte de hidratação. Você não precisa consumir toda a água de que precisa por meio de bebidas. Você também não precisa se preocupar tanto sobre nunca ter sede. O corpo humano é ajustado para avisá-lo para beber muito antes que esteja realmente desidratado.

Não há evidências científicas de que, para pessoas sadias, beber mais água traz qualquer benefício em termos de saúde. Estudos não encontraram prova alguma de que beber mais água deixa a pele hidratada e a faz parecer mais saudável ou sem rugas. É verdade que alguns estudos encontraram associações entre maior consumo de água e resultados melhores, mas esses estudos estão sujeitos aos problemas de metodologia comuns, como uma incapacidade de provar relações causais. Além disso, eles definiram "alto" consumo de água como uma quantidade bem menor do que oito copos.

Estudos prospectivos não encontram melhoras em função renal ou mortalidade em geral quando pessoas sadias aumentam seu consumo de água. Testes aleatórios controlados também não encontram vantagens, com exceção de casos específicos — por exemplo, prevenir a recorrência de certos tipos de cálculo renal. Desidratação de verdade, quando o seu corpo perde uma quantidade significativa de água devido a doenças, exercício excessivo ou suor, ou incapacidade de beber, é um caso sério. Porém, pessoas com desidratação clínica quase sempre têm alguma espécie de sintoma.

Um número significativo de publicitários e reportagens estão tentando convencê-lo do contrário. O número de pessoas que carregam água consigo todo dia parece aumentar a cada ano. Vendas de água engarrafada continuam a aumentar.

A explosão de histórias neste verão foi inspirada por um estudo recente no American Journal of Public Health. Pesquisadores utilizaram dados da National Health and Nutrition Examination Survey (Pesquisa de Exame da Saúde e Nutrição Nacional) de 2009 até 2012 para examinar 4.134 crianças com idades de seis a 19 anos. Especificamente, foi calculada a osmolaridade média da concentração da urina das mesmas. Quanto maior o valor, mais concentrada a urina.

Foi descoberto que mais da metade das crianças tinham uma osmolaridade de urina de 800 ou mais mOsm/kg. Também foi descoberto que crianças que bebiam 200 ou mais ml por dia tinham, em média, uma osmolaridade de urina aproximadamente mOsm menor do que as que não bebiam.

Então, se você define "desidratação" como uma osmolaridade de urina de 800 ou mais mOsm/kg, os resultados desse estudo são relevantes. Esse artigo assim a definiu. O problema é que a maioria dos clínicos não o faria.

Eu sou um pediatra, e posso dizer que eu raramente, se isso, usei osmolaridade de urina como meio de decidir se uma criança está desidratada. Quanto perguntei a colegas meus, nenhum deles achou que 800 mOsm/kg seria o valor a partir do qual eles ficariam preocupados. Ao pesquisar a web, a maioria das fontes que encontrei pensou que valores até 1,2 mil mOsm/kg ainda encontravam-se dentro da normalidade fisiológica e que crianças tinham variação maior do que adultos. Nenhuma fonte declarou que 800 mOsm/kg seria quando se começa a considerar crianças desidratadas.

Em outras palavras, há muito pouca razão para crer que crianças com uma média de 800 mOsm/kg em sua urina deveriam se preocupar. De fato, em 2002, um estudo foi publicado no Journal of Pediatrics, mais exploratório do que uma busca por incidências de desidratação, e ele descobriu que meninos na Alemanha tinham uma osmolaridade de urina média de 844 mOsm/kg. O antepenúltimo parágrafo no estudo referiu um grande número de estudos feitos pelo mundo afora que encontravam osmolaridades médias em urina de crianças desde 392 mOsm/kg no Quênia até 964 na Suécia.

Isso não impediu estudos mais recentes de continuar a usar o padrão 800 mOsm/kg para declarar que números enormes de crianças sofrem de desidratação. Um estudo publicado em 2012 no Annals of Nutrition and Metabolism usou esse padrão para alegar que quase dois terços das crianças francesas não consumiam água suficiente. Outro, na publicação Public Health Nutrition, usou o padrão para declarar que quase dois terços das crianças em Los Angeles e Nova York não consumiam água suficiente. O primeiro estudo foi financiado pela Nestlé Waters; o segundo, pela Nestec, uma subsidiária da Nestlé.

É possível que haja crianças que precisam ser hidratadas melhor. Porém, a partir de certo ponto, corremos o risco de tachar uma condição saudável e normal de doença. Quando dois terços das crianças sadias, ano após ano, têm um valor obtido em laboratório que se considera "anormal", talvez seja a definição, e não a saúde delas, que precise de ajustes.

Nada disso retardou a demanda descomunal por mais água. Virou até parte da campanha de Michelle Obama, "Drink Up" (Beba). Em 2013, Sam Kass, então um conselheiro de políticas nutricionais da Casa Branca, declarou que "40% dos norte-americanos consumem menos do que a metade da dose diária recomendada de água".

Não há nenhuma recomendação formal quanto à quantidade diária de água de que as pessoas necessitem. Essa quantidade, é obvio, difere de acordo com o que as pessoas comem, onde elas vivem, quão grandes elas são e o que elas fazem. Porém, com a população deste país vivendo mais anos do que jamais viveram, talvez inclusive com acesso menos limitado a bebidas do que em qualquer outra época da história da humanidade, simplesmente não é verdade que estamos desidratados.

*Aaron E. Carroll é professor de Pediatria na Indiana University School of Medicine.

Fonte: ZH Vida