Considerar as comidas pelo viés do benefício que elas podem trazer ao organismo é o mantra da nutrição funcional
Faça este teste. Ao pegar uma laranja na mão, você a encara de que forma: como uma fruta normal ou como uma poderosa fonte de vitamina C que vai ajudar a fortalecer o seu sistema imunológico? Se escolheu a segunda resposta, isso significa que possivelmente você faça parte do grupo de pessoas que acredita no poder de prevenção e tratamento dos alimentos.
Considerar as comidas pelo viés do benefício que elas podem trazer ao organismo é o mantra da nutrição funcional, um olhar da ciência sobre as potencialidades dos nutrientes, que começou a ser difundido na década de 1990, e desde então tem sido alvo de pesquisas no mundo todo.
Na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a doutora em engenharia de alimentos Simone Hickmann Flôres comemora descobertas animadoras. Em uma delas, substâncias antioxidantes presentes em frutas nativas do Estado — a guabiroba e o araçá — protegeram os fígados de ratos quando os mesmos foram lesionados com uma substância antitumoral (cisplatina), cujo efeito colateral é danificar células saudáveis.
— Na comparação que fizemos, os ratos que foram nutridos com as frutas e ração por 28 dias tiveram uma proteção extra no fígado, e os níveis de colesterol e glicose permaneceram estáveis, o que não ocorreu com os ratos que não receberam as frutas. Isso demonstra que os antioxidantes protegeram as células — explica Simone.
Caracterizado como opção gastronômica que, além de produzir energia para o corpo e nutrição adequada, vai além, auxiliando na prevenção de diversas doenças, o conceito de alimento funcional tem raízes orientais.
Conforme a pesquisadora, certa vez começou a associar-se a longevidade dos japoneses ao que eles consumiam: em geral pratos ricos em soja e peixes de água fria, que contêm altos índices de polifenóis e ácidos graxos, respectivamente. Além do potencial terapêutico, a cozinha funcional também leva em consideração a escolha dos mantimentos, o tipo de cozimento (quanto mais cru, melhor), se é orgânico e a variedade de cores. Para colher os benefícios, sugere-se, por exemplo, consumir cinco porções de frutas, verduras e legumes por dia, ainda que não haja uma comprovação científica.
Enquanto os ácidos graxos são apontados como bons para o sistema circulatório e a atividade cerebral, os polifenóis da soja (isoflavonas) agem como hormônios e também são ricos em antioxidantes. Outros grãos com efeitos similares ao da soja são a quino a e chia. Além desses, outros exemplos considerados funcionais são o ácido oleico do azeite, que ajuda a reduzir o colesterol, os antioxidantes como vitaminas A e E, compostos fenólicos e carotenoides, presentes nas frutas e legumes e também as fibras, que ajudam no funcionamento do intestino. Já os probióticos, presentes nos iogurtes, queijos e leites fermentados, ajudam a regular a flora intestinal.
Outra novidade descoberta pelo Instituto de Ciência e Tecnologia de Alimentos (ICTA) da UFRGS, sob orientação de Simone, é o poder antioxidante de frutas nativas do Estado, como guabiroba, uvaia, araticum, guabiju, butiá e tuna.
— Descobriu-se que guabiju e a guabiroba têm alto poder antioxidante podendo ser comparado com o mirtilo (blueberry), seguidos do araçá. O conteúdo de vitamina da guabiroba é similar ao de frutas cítricas (laranja, limão) que são conhecidos como fonte de vitamina C. O butiá tem poder antioxidante comparável com o açaí que é considerado atualmente como "superfruta”. Todas as demais apresentaram composição de minerais e vitaminas similares com frutas comumente conhecidas — relata.
A nutricionista Juliana Rocha acrescenta que os alimentos funcionais vêm sendo estudados pela nutrigenômica, ciência que utiliza dados do mapeamento genético humano para criar cardápios personalizados. Funciona assim: se eu tenho muitos casos de câncer de mama na família, é indicado que eu consuma grandes quantidades de brócolis e linhaça por tempo indeterminado. Ambas as substâncias são ricas em 3-Indol-Carbinol, que promete desativar o gatilho genético para o câncer, atuando principalmente na prevenção à doença.
— A prevenção é fundamental para evitarmos diversos tipos de doenças. O fator genético não é o único determinante. A comida conversa com os nossos genes — atesta a nutricionista.
Juliana foi integrada recentemente à equipe de um oncologista para tratar de um paciente com leucemia, em conjunto com a sua equipe. O objetivo é fortalecer o sistema imunológico do rapaz , oferecendo-lhe uma dieta rica em antioxidantes, contribuindo para o tratamento.
De maneira genérica, a medicina vê com menos positivismo a utilização de vitaminas, minerais, ácidos graxos essenciais, fibras, compostos antioxidantes e probióticos para esse fim.
— Ainda será preciso mais trabalhos para demonstrar que os alimentos que contenham essas substâncias realmente funcionem — ressalta o endocrinologista Giuseppe Reppetto, do Hospital São Lucas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).
Segundo ele, é possível compreender que fibras diminuam a incidência de câncer no intestino, mas não que, ao comer fibra, não se terá câncer.
— Alimentação equilibrada faz bem, mas não podemos ser dramáticos, achar que vamos viver mais por comermos determinados alimentos — pondera o médico.
Fonte: CADERNO VIDA ZH
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